segunda-feira, 18 de julho de 2022

Série: A vida terrena de Jesus. 2ª parte

 Por: Jânio Santos de Oliveira

  Pastor e professor da Igreja evangélica Assembléia de Deus em Santa Cruz da Serra

 Pastor Presidente: Eliseu Cadena

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  Email ojaniosantosdeoliveira@gmai.com




Meus amados e queridos irmãos em Cristo Jesus, a Paz do Senhor!         


I.       Capítulo 1- Resumo da vida terrena de Cristo.

A.      Introdução à vida terrena de Cristo.

B.      A manifestação da vida terrena de Cristo.

C.      A conclusão da vida terrena de Cristo.

II.      Capítulo 2 -A preparação para a manifestação de Jesus.

A.      A necessidade de um Salvador.

B.      Conhecendo o a sociedade judaica nos tempos de Jesus.

C.      Jesus e os grupos político-religiosos de sua época.

III.     Capítulo 3- Jesus dos 12 aos 30 anos.

A.      Os anos “ocultos” de Jesus.

B.      Os anos perdidos de Jesus.

C.      Algumas especulações infundadas.

D.      As evidências bíblicas.

IV.     Capítulo 4- O caráter do Ministério de Jesus.

A.      Jesus, o Templo e a Sinagoga.

B.      Jesus, o Mestre da Justiça.

C.      Jesus e a cobiça dos homens.

D.      Jesus e a implantação do Reino de Deus.

V.       Capítulo5 - O Ministério de Jesus.

A.      O começo do ministério de Jesus na terra.

B.      A humanidade de Jesus Cristo e a sua deidade.

C.      O Ministério de Jesus.

D.      Eu sou Jesus.

VI.      Capítulo 6 - Um resumo das parábolas de Jesus.

 A.      Por Que Jesus Ensinou Por Parábolas?

B.      O público alvo das parábolas.

C.      3. Interpretando uma parábola.

VII.     Capítulo 7- O Senhorio de Jesus Cristo sobre os demônios.

A.      A atuação dos demônios no novo testamento.

B.      O endemoniado gadareno.

C.      Jesus expulsa um demônio de um homem mudo.

VIII.    Capítulo 8 - A Cura Divina no ministério de Jesus Cristo.

A.      A origem e a natureza das enfermidades.

B.      A cura divina como parte da salvação.

C.      Jesus cura os enfermos.

IX.   Capítulo 9 - Os 35 milagres de Jesus.

A.      Os perigos que rondam os milagres

B.      O contraste entre cura e a religiosidade.

C.      O Propósito dos Milagres de Jesus Cristo.

X.     Capítulo 10 - O resumo do Ministério de Jesus.

A.      1º ano do anonimato ou Obscuridade.

B.      2º ano da popularidade.

C.      3º ano da perseguição ou Rejeição.

 

 Capítulo 2- A preparação para a manifestação de Jesus.

 

1.    A. A obrigatoriedade de um Salvador

 


Efésios 2.1-5.

 

 1 — E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados,

2 — Em que, noutro tempo, andastes, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que, agora, opera nos filhos da desobediência;

3 — Entre os quais todos nós também, antes, andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também.

4 — Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou,

5 — Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos).

 

Durante todo este trimestre estudaremos a respeito da pessoa bendita de Jesus, aquEle que não se envergonhava de dizer que era de Nazaré. Vamos aproveitar esse momento para crescermos juntos, comentarista e leitores, professores e educandos, amigos e irmãos. Certamente este será um trimestre fantástico para todos nós.

 

 I. A queda e a promessa de um Salvador.

 

 1. Éden: onde tudo começou. Os eventos narrados entre Gênesis de 1 a 3 são imprescindíveis para a compreensão de tudo o mais que encontraremos nas Sagradas Escrituras. Dito de outra forma, o entendimento correto dos três primeiros capítulos da Bíblia implicará de modo determinante a maneira como leremos os outros 1.186 capítulos. De Gênesis 4 a Apocalipse 22 testemunhamos o desenrolar de uma jornada com muitos erros, mas graciosamente repleta de acertos de retorno da humanidade ao centro da vontade de Deus. E o que temos nos três primeiros capítulos de Gênesis? Um resumo da trajetória humana ao longo da história em três atos: Criação em harmonia por bondade e perfeição divina; Queda caótica por rebeldia e desobediência humana; Salvação, ou pelo menos o anúncio dela, por sacrifício e graça do Senhor. Como afirma Gênesis 2.7,8 a humanidade foi feita para viver no Jardim de Deus, por isso, desde Gênesis 3.8, o Criador protagoniza meios para conceder a nós a restauração da comunhão originária que possuíamos com Ele. Uma vez tendo recebido tudo das mãos do Criador, perdemos nosso paraíso edênico por nossa própria ambição e ilusão de autossuficiência. Não fosse o misericordioso Deus teríamos perdido a esperança e qualquer chance de salvação.

 

2. O incansável cuidado de Deus conosco. Qual é a pergunta que ecoa no jardim logo após a catastrófica escolha humana? Não foi “Por que você fez isso?” ou ainda “Onde está aquele fruto que estava ali?”; a prioridade do Altíssimo não está em encontrar culpados ou em reaver coisas/objetos perdidos. O Senhor está comprometido com pessoas; seu amor e cuidado é conosco, por isso Ele chama por Adão, indaga sobre o seu paradeiro (Gn 3.9). Mas se o Criador é onisciente, porque Ele pergunta a Adão: Onde estás? Por que o único modo de recebermos a graça de Deus é reconhecendo o quão necessitados somos de salvação. Mais do que uma questão geográfica, o homem precisava reconhecer para “onde” suas escolhas o tinham levado na perspectiva eterna. O Senhor direciona o diálogo até o nível em que a humanidade é capaz de superar o estado de desespero em que o pecado a tinha conduzido. Os filhos de Deus são vestidos porque reconhecem que estão nus. São orientados sobre cansaço e dores porque já estão sentindo angústia e medo, são informados sobre o advento do “descendente” (Gn 3.15)  uma vez que já conheceram a serpente sagaz.

 

3. A esperança do Salvador. A Queda produziu o colapso da humanidade, mas não o fim do amor de Deus para conosco. A misericórdia do Criador foi maior que a sedução do maligno. Uma vez fora do jardim, os filhos de Deus deram início à sua caminhada rumo à promessa de restauração. Esta é uma das chaves-de-leitura que se pode adotar para ler e narrar o percurso trilhado por nós e registrado nas Escrituras: a esperança da chegada do Salvador. Ao adotarmos essa chave hermenêutica percebemos que alguns dos grandes eventos do Antigo Testamento ocorrem em torno do objetivo de cumprimento da promessa de Gênesis 3.15; com tal hipótese, por exemplo, concordam alguns escritores do Novo Testamento (Cl 2.16,17: Hb 9.8,9; 10.1). A vinda do “descendente” de Adão e Eva cumpre-se através da persistência da vontade de Deus por meio de vários eventos distintos, mas que por fim redundam na glória de Deus — a vocação de um caldeu, a salvação de um jovem odiado pelos irmãos, a liderança de um sobrevivente de infanticídio, uma moabita que se torna avó de um rei, um povo que sobrevive a um bárbaro período de escravidão, etc. Como bem afirma o apóstolo, apesar de nossos erros, Deus afetuosamente age em nosso favor fazendo com que os acontecimentos cooperem, para o bem daqueles que o amam (Rm 8.28).

 

 II. As profecias messiânicas no Antigo Testamento

 

 1. O que são profecias messiânicas? A Bíblia está repleta de profecias, isto é, de discursos sobrenaturalmente orientados que proclamam a vontade de Deus. Dentre as várias profecias registradas no Antigo Testamento, existe um conjunto específico de textos que a teologia cristã tradicionalmente identificou como profecias messiânicas. Esta coleção de textos está relacionada ao anúncio profético do advento, ministério e reinado do Messias. O papel que a figura do Messias representa no Antigo Testamento, levando em consideração apenas um contexto imediato, é diferente daquele que ele assume com Jesus no Novo Testamento. A comunidade judaica esperava um líder político, um representante que lutasse pelo reestabelecimento da autonomia administrativa de Judá, garantindo assim, por consequência, a restauração dos espaços de culto públicos — em especial o Templo. Por isso, em muitos casos, na perspectiva do povo judeu, os textos designados como profético-messiânicos não apontavam para um Salvador, e sim, um rei ou líder histórico. A partir da manifestação de Jesus, o Cristianismo realizou uma releitura dos textos do Antigo Testamento, reconhecendo seu cumprimento através de alguns personagens históricos, mas atribuindo-o um caráter profético plenamente estabelecido apenas em Jesus.

 

2. Análise de algumas profecias messiânicas. O Antigo Testamento apresenta, através de profecias, a imagem do Messias sob várias facetas: o Messias-rei, Messias-sacerdote e Messias-profeta. Por meio de cada um destes aspectos referentes ao Messias aspira-se anunciar ao povo a promessa de restauração de elementos específicos que em determinado contexto foram perdidos, tais como, emancipação política, reforma religiosa, renovação moral. Assim, enquanto os judeus liam/leem as profecias na expectativa de resoluções de problemas circunstanciais referentes a cenários imediatos e limitados, nós cristãos as lemos como anúncios de respostas a problemas globais. Por exemplo, Isaías 9.6,7 ou Miqueias 5.2 são profecias que para os judeus apontam para reis específicos, neste caso provavelmente Ezequias, que subiriam ao trono para solucionarem problemas particulares de determinado tempo. Já para o Cristianismo tais textos apontam, inclusive com riqueza de detalhes, para a pessoa bendita de Jesus (Mt 2.4-6). aquEle em quem cumpre-se o profeticamente anunciado, cujas repercussões não se limitam a um tempo ou a um povo, e sim, expandem-se à eternidade e abarcam a humanidade (Hb 7.21-25; 1Jo 2.2).

 

3. A importância das profecias messiânicas para nós. Existem textos profético-messiânicos, como por exemplo: Gn 49.10; Dt 18.15-18; Is 7.14; 42.1-7; Dn 7.13,14; Zc 9.9. Para nós, cristãos, a relevância das profecias messiânicas e seu estudo estão na sua dupla natureza, isto é, no fato de através delas podermos atestar o cuidado eterno de Deus por nós e de termos tal conhecimento de modo antecipado. O Senhor do universo não age por meio de improvisos. Seu plano para restaurar sua perfeita comunhão com a humanidade desenrola-se de maneira progressiva sobre a terra. O entendimento pleno das razões pelas quais tudo que se refere à salvação da humanidade está sendo feito em milênios e não em dias, transcende nossa limitada mente humana, todavia, podemos descansar em paz ao saber que o personagem principal e o final do enredo sobre a epopeia humana rumo à comunhão eterna nós já temos acesso: Jesus de Nazaré é o Cristo, e nós — os que amamos sua vinda — seremos salvos por sua graça. Desta forma, a vida ganha pleno sentido, as dificuldades e decepções são superáveis em virtude da conclusão gloriosa a que chegaremos, e a certeza plena de vitória torna-se uma questão de tempo.

 

III. O cumprimento da promessa.

 

 1. Tudo como o Antigo Testamento previu. O nascimento de Jesus é um dos eventos mais extraordinários da história humana — estando em relação direta com a morte, ressurreição e a segunda vinda do Mestre. E para que a onisciência de Deus fosse mais uma vez atestada, assim como a inspiração e infalibilidade das Escrituras, cada acontecimento que envolveu o nascimento de Jesus ocorreu de modo exato como os profetas haviam anunciado antecipadamente. Ele é gerado por Deus no ventre de uma jovem mulher que ainda é virgem (Lc 1.34,35). Muito do debate que se faz sobre esse evento, o nascimento de Jesus, afasta-se de uma das questões centrais: o salvador vivenciou a humanidade de modo pleno, de sua gestação até a morte, sem privilégios ou favores. Jesus não esteve apenas entre nós; Ele também foi um como nós e por isso podemos ser um com Ele, e Ele, um conosco. Seus pais, descendentes da linhagem de Davi (Jr 23.5,6; Lc 2.4), são de Nazaré, por isso Ele será Nazareno (Mt 2.23). Contudo, Ele era o legítimo herdeiro do trono de Davi (Lc 13.2,33). Ele nasce em Belém, em virtude de uma convocação imperial para um recenseamento (Lc 2.1-7), mas também para que se cumprisse aquilo que foi profeticamente anunciado (Mq 5.2; Mt 2.5,6).

 

2. Jesus, o evento. A concepção do Salvador é mais que um simples acontecimento na biografia de Jesus; é na verdade o despertar do ápice da história humana (Gl 4.4; Ef 1.10). Para a manjedoura em Belém conflui todo o esforço dos patriarcas, profetas e santos do Antigo Testamento (Jo 1.45), e do mesmo lugar daquela estrebaria flui todo o significado da obra dos apóstolos, discípulos e da Igreja do Senhor Jesus até os nossos dias (Rm 11.36; Hb 2.10). Jesus é a razão de ser de toda a história.

 

3. Nós e Jesus. O nascimento de Jesus foi resultado de um ato amoroso do Redentor em nosso favor. Para a concretização deste acontecimento, duas pessoas foram fundamentais: Maria e José. Você já imaginou o tamanho do desafio que ambos assumiram para que o plano de Deus fosse executado? Não há, na narrativa bíblica, o registro de qualquer tipo de constrangimento ou imposição divina. O casal assumiu todo ônus e bônus daquela situação. Maria poderia ter sido abandonada por José ainda que as intenções dele fossem das melhores ao fazer isso como este bem intentou (Mt 1.19). Comunitariamente eles poderiam ter tido muitos problemas, uma vez que o casamento deles ainda não havia acontecido e ela estava grávida. Mas mesmo assim, depois das revelações divinas esclarecerem a cada um deles a vontade do Altíssimo (Lc 1.26-38), o casal segue em frente, realizando a parte que lhes cabia no projeto divino.

 

A pessoa bendita de Jesus de Nazaré será o objeto de nossa reflexão durante todo este novo trimestre, por isso, realizar uma leitura das Sagradas Escrituras a partir da ótica da obra da salvação pode conceder-nos uma maneira rica de novos significados — de conhecer o plano de Deus ao longo da história.

 

2.    B. Conhecendo o contexto da sociedade judaica nos tempos de Jesus.

 

1 — E, tendo nascido Jesus em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do Oriente a Jerusalém,

2 — e perguntaram: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos a adorá-lo.

3 — E o rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se, e toda a Jerusalém, com ele.

4 — E, congregados todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo.

5 — E eles lhe disseram: Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo profeta:

6 — E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá, porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo de Israel.

7 — Então, Herodes, chamando secretamente os magos, inquiriu exatamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera.

8 — E, enviando-os a Belém, disse: Ide, e perguntai diligentemente pelo menino, e, quando o achardes, participai-o, para que também eu vá e o adore.

9 — E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino.

10 — E, vendo eles a estrela, alegraram-se muito com grande júbilo.

11 — E, entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram dádivas: ouro, incenso e mirra.

12 — E, sendo por divina revelação avisados em sonhos para que não voltassem para junto de Herodes, partiram para a sua terra por outro caminho.

19 — Morto, porém, Herodes, eis que o anjo do Senhor apareceu, num sonho, a José, no Egito,

20 — dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e vai para a terra de Israel, porque já estão mortos os que procuravam a morte do menino.

21 — Então, ele se levantou, e tomou o menino e sua mãe, e foi para a terra de Israel.

 

I. A terra de Israel nos tempos de Jesus

 

1. O Filho de Deus na história humana. A Bíblia revela que o Verbo de Deus se fez carne, e habitou entre nós (Jo 1.14). Chamamos esse evento de encarnação, através do qual Deus, em Cristo, tornou-se semelhante aos homens (Fp 2.7; Gl 4.4,5), ingressando no curso da história da humanidade. Trata-se de algo extraordinário: aquele por quem e para quem foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra (Cl 1.15,16), assume um lugar dentro da sua própria criação. O advento de Cristo entre os homens não é um mito, mas uma realidade.

 

2. Palestina ou Israel? O local escolhido para a morada terrena do Filho de Deus foi a terra de Israel no início do primeiro século, região popularmente chamada de Palestina. O nome Palestina foi originalmente empregado por Heródoto (século V a.C.) numa alusão aos filisteus, que incluiu nessa designação a Fenícia situada ao norte. Entretanto, tal termo ganhou mais evidência em 135 d.C., quando o Imperador romano Adriano substituiu o nome da região da Judeia por Síria Filisteia, na tentativa de acabar a forte ligação dos israelitas com a terra sagrada, após a revolta judaica liderada por Simão Bar Kochba contra o Império Romano. Nessa mesma época, o nome de Jerusalém foi alterado pelos romanos para Aelia Captolina. Entretanto, a Bíblia não menciona a palavra Palestina, chamando a região de Canaã (Sl 105.11), terra de Israel (Mt 2.19-21), terra da promessa (Hb 11.9) e terra santa (Zc 2.12).

 

Na época de Jesus, Galileia, Judeia e Samaria eram os nomes das suas principais regiões (Jo 4.3-7).

 

3. Nascimento e obra na terra de Israel. Jesus nasceu em Belém (Mt 2.1), mas viveu grande parte da sua vida na região da Galileia (Jo 4.3). Por ter sido criado em Nazaré (Lc 4.16), terra natal de José e Maria, chamavam-no de Nazareno (Mc 14.67; Jo 18.7). Era uma cidade pequena e de pouca importância, tanto que, ao receber o convite para seguir o Mestre, Natanael exclamou: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” (Jo 1.46). Depois da sua rejeição nesta cidade (Lc 4.29), Jesus foi para Cafarnaum (Lc 4.31; Mt 4.13; 8.5), às margens do Mar da Galileia, onde realizou vários prodígios e maravilhas. As Escrituras ainda destacam outras cidades e vilarejos que o Mestre percorreu para anunciar o Reino de Deus e cumprir o seu ministério (Lc 7.11; 8.26), vindo a consumar a sua obra redentora em Jerusalém (Mt 20.18).

 

II. O domínio romano e a política

 

 1. Domínio romano. Para compreender o contexto político daquela ocasião, é preciso lembrar que o Império Romano dominava a terra de Israel desde 63 a.C., e assim seu poder e influência abrangem todo o contexto do Novo Testamento. No nascimento de Jesus, César Augusto (27 a.C. 14 d.C.) era o Imperador (Lc 2.1,2), Herodes “o Grande” havia sido nomeado o “Rei da Judeia” (Mt 2.1,3). Quando Herodes morreu, seu reino foi dividido entre seus filhos: Herodes Antipas, Herodes Filipe e Arquelau ( Mt 2.22; Lc 3.1). Contudo, Arquelau não conseguiu manter a ordem nas regiões de Samaria, Judeia e Idumeia, e um procurador romano foi nomeado. Pôncio Pilatos (Mt 27.2) foi o quinto procurador e governou a região antes governada por Arquelau; porém, ele não tinha jurisdição sobre a área da Galileia e Pereia pertencentes a Herodes Antipas ( Lc 23.5,6). Após a morte de César Augusto, seu enteado Tibério César (14 — 37 d.C) assumiu o Império Romano (Lc 3.1). Era dele a imagem estampada na moeda sobre a qual Jesus afirmou: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus” (Lc 20.25). A efígie do imperador na moeda servia para tornar conhecido o rosto do seu governante.

 

2. Tensão política. A tensão política e a instabilidade social pairavam no ar. O poder de Roma era contrastado por agitações, inquietação popular e também pelos diversos interesses dos grupos político-religiosos judeus. Apesar da ocupação, os israelitas tinham permissão para manter seus costumes e tradições religiosas, enquanto não conflitassem diretamente os interesses do Império. Desse modo, a política era caracterizada pelo domínio romano, mas o poder interno era exercido pelo Sinédrio (Mt 27.1), o tribunal para julgamento e aplicação das leis judaicas. Cada cidade poderia ter um Sinédrio Local (Mt 10.17; Mc 13.9) formado por 23 membros. O Grande Sinédrio, composto por 70 ou 71 membros, era a mais elevada corte judaica. Reunia-se em Jerusalém e tinha o poder de resolver todas as questões que estavam além da competência das cortes locais. O processo e o julgamento de Jesus evidenciam a complexidade do sistema político e legal existente naquele início de século, caracterizado pela confusão entre a autoridade romana e a jurisdição religiosa judaica.

 

3. Os publicanos. Os oficiais romanos vendiam o direito de cobrar tributos numa determinada área a quem pagasse melhor. Com isso, alguns dentre os judeus também trabalhavam para Roma como cobradores de impostos, chamados publicanos. Eles eram odiados pela população, porque extorquiam o povo e porque eram considerados traidores. Zaqueu, chefe dos publicanos, admitiu esse tipo de prática corrupta, mas ao encontrar-se com Jesus afirmou que devolveria quatro vezes o que recebera indevidamente (Lc 19.8). Ainda hoje, a corrupção tem provocado grandes males na sociedade. Pessoas que deveriam utilizar as verbas públicas para promover benefícios sociais, desviam-nas para seus próprios bolsos.

 

III. A economia e o trabalho

 

 1. Aspectos econômicos. As principais fontes da economia israelita estavam na produção agrícola, na pesca e no trabalho pastoril. Nos dias do Novo Testamento, o domínio romano e a construção de novas estradas também fizeram aumentar o comércio. As viagens tornaram-se mais seguras, e a Judeia, por exemplo, passou a exportar maiores quantidades do fruto das oliveiras. Este é o contexto de que se valeu o Senhor Jesus para proferir seus ensinamentos e parábolas, usando uma linguagem simples e com figuras relacionadas à vida agrícola (Mt 24.32; Mc 4.1-20). Isso nos instrui a aproveitar o contexto social em que estamos para anunciar o Evangelho, mas sem desfigurar a essência da Palavra.

 

2. Funcionamento do comércio. Existiam os mercados públicos onde as pessoas compravam e vendiam seus produtos, como cereais, frutas e até mesmo animais. Eram locais bem movimentados, para onde os desempregados iam na esperança de conseguir trabalho (Mt 20.3-10). As negociações comerciais eram feitas por meio de troca de mercadorias (Lc 16.5,6) ou em dinheiro. O denário (Mc 12.15; Lc 7.41). por exemplo, era uma moeda romana e representava, em geral, o salário por um dia de trabalho. A dracma (Lc 15.8-10) era uma moeda de origem grega, e equivalia a um denário.

 

3. Trabalho e profissões. Os trabalhos e ofícios giravam em torno das atividades produtivas de cada região. Assim, em algumas localidades prevaleciam os trabalhos agrícolas (Mt 13.4), do arado da terra ao armazenamento dos produtos. Em outras, predominavam o pastoreio e a pesca, como o exemplo dos primeiros discípulos que trabalhavam junto ao Mar da Galileia (Mt 4.18,19). Ainda tinham os tecelões, comerciantes e artífices de obras de barro, metal e madeira. O próprio Jesus era carpinteiro (Mc 6.3), cujo trabalho envolvia a construção e a fabricação de objetos menores, inclusive mobílias.

 

Conhecer a terra de Israel da época de Jesus é importante para fazermos uma reflexão bíblica atual na medida em que nos possibilita ver e compreender — ainda que passados mais de dois mil anos o contexto da sociedade judaica do início do primeiro século. Se falharmos em compreender as influências culturais daquele tempo, deixaremos de assimilar muitos dos ensinamentos de Jesus, presentes nos Evangelhos.

 

 

 

3.    C. Jesus e os grupos político-religiosos de sua época

 


Mateus 23.1-8.

 

1 — Então, falou Jesus à multidão e aos seus discípulos,

 

2 — dizendo: Na cadeira de Moisés, estão assentados os escribas e fariseus.

3 — Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam.

4 — Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem sobre os ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los.

5 — E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens, pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes,

6 — e amam os primeiros lugares nas ceias, e as primeiras cadeiras nas sinagogas,

7 — e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens: — Rabi, Rabi.

8 — Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos.

 

 

No contexto do Novo Testamento, a nação judaica não era homogênea. Ao contrário disso, ela estava dividida em vários grupos e partidos com doutrinas, ideologias e tradições distintas, movidos ora por motivações políticas, ora religiosas. Nesse sentido, saduceus, fariseus, essênios, zelotes e herodianos formavam os principais partidos políticos e seitas religiosas daquela época. Veremos as características desses grupos, e como Jesus, com sua sabedoria e coragem, conviveu e reagiu a eles, nos deixando o exemplo de como viver dentro de um ambiente de pluralismo religioso como o presenciado nos dias atuais, com respeito e defesa da verdade.

 

I. Os saduceus e fariseus.

 

 1. Saduceus. Apesar da pequena quantidade, os saduceus representavam a aristocracia dominante do judaísmo nos tempos do Novo Testamento. O nome desse grupo originou-se provavelmente de Zadoque, o pai da linhagem de sumo sacerdotes durante o reinado de Salomão (1Rs 1.32,34,38,45). Eles formavam o escalão superior dos sacerdotes e parte do Sinédrio, exercendo, por isso, grande influência política. Ao contrário dos fariseus, que reconheciam a importância da tradição oral, os saduceus aceitavam somente a Lei escrita (Torá). Por influência do helenismo e da cultura pagã, era uma religião materialista e secularizada, que negava a existência do mundo espiritual (At 23.8) e não cria na ressurreição dos mortos (Mc 12.18) nem na vida futura. A vida para eles, portanto, se resumia ao aqui e agora, sobre a qual Deus não tinha nenhuma interferência. Quanto a esse grupo, Jesus disse aos seus discípulos para tomarem cuidado com o seu “fermento” (Mt 16.6), símbolo do mal e da corrupção.

 

2. Fariseus. Em maior número que os saduceus, os fariseus (hb. parash: “separar”) representavam o núcleo mais rígido do judaísmo, formado basicamente por pessoas da classe média e com grande influência entre o povo (Jo 12.42,43). Eram meticulosos quanto ao cumprimento da Lei mosaica e, por isso, a maioria dos escribas (Mt 15.1; 23.2) pertencia a esse grupo. Enfatizavam mais a tradição oral do que a literalidade da lei. Além de dar grande valor às tradições religiosas, como a lavagem das mãos antes das refeições (Mc 7.3) e ao recolhimento do dízimo (Mt 23.23), os fariseus jejuavam regularmente (Mt 9.14) e enfatizavam a observância do sábado (Mt 12.1-8). Entretanto, eram avarentos (Lc 16.14) e, em suas orações, gostavam de se vangloriar de seus atributos morais (Lc 18.11,12).

 

Em razão do seu legalismo, Jesus os repreendeu de forma corajosa (Mt 23), chamando-os de amantes dos primeiros lugares, hipócritas e condutores cegos, pois a religiosidade deles estava baseada no exterior, nos rituais e na justiça própria, em desprezo à parte mais importante da Lei: o juízo, a misericórdia e a fé (v.23). Um dos exemplos era a invocação da tradição de Corbã (Mc 7.11) como subterfúgio para não cuidar de seus pais na velhice, dizendo que seus bens haviam sido consagrados como oferta a Deus e ao Templo e, por isso, não poderiam ser utilizados. Jesus disse que eles haviam invalidado a lei pela tradição (Mc 7.13). Eis o motivo pelo qual Jesus declarou aos seus discípulos: “  se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos céus” (Mt 5.20).

 

A conduta dos fariseus nos faz lembrar que a verdadeira santidade não se alcança através do legalismo e do esforço pessoal, mas pela fé em Cristo (Gl 2.16) e através da sua maravilhosa graça (Hb 4.16).

 

II. Os essênios, zelotes e herodianos

 

 1. Essênios. Embora a Bíblia não mencione diretamente esse grupo religioso, os essênios formavam uma pequena seita judaica na época do Novo Testamento, que vivia de forma reclusa no deserto da Judeia, às margens do Mar Morto. No ato da admissão à seita, todas as pessoas entregavam suas propriedades a um fundo que era igualmente disponível a todos. Banhavam-se antes das refeições e vestiam-se de branco. Além disso, consideravam a si mesmos “os filhos da luz”, e viviam completamente separados do judaísmo de Jerusalém, o qual consideravam apóstata.

 

As práticas místicas dos essênios destoam dos ensinamentos de Jesus, que não impôs nenhum ritual de purificação, a não ser a purificação pela Palavra (Jo 13.10; 15.3). Além disso, os cristãos foram chamados para ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13,14), o que implica viver e influenciar a sociedade e a cultura, e não viver em reclusão.

 

2. Zelotes. Os zelotes formavam um grupo extremista que usava a rebelião e a violência contra a dominação dos romanos, pois acreditavam que tal submissão era uma traição a Deus.

O Senhor Jesus favoreceu os Zelotes, e escolheu Simão, o Zelote (Lc 6.15) para expressar sua aprovação em relação às suas táticas. Nada poderia ser tão oposto à verdade, uma vez que todo ministério de Jesus era baseado em meios pacíficos, e Simão provavelmente experimentou uma mudança de coração em relação a toda atividade dos Zelotes”.

 

3. Herodianos. Os evangelhos também mencionam os chamados herodianos (Mc 3.6; 12.13; Mt 22.16). Tinham características de agremiação partidária, apoiando a dinastia dos Herodes, que deviam seu poder às forças romanas de ocupação. Os herodianos se opunham a Jesus por receio que Ele pudesse promover perturbações públicas por meio de seus ensinamentos morais. Eram movidos mais por interesses políticos do que religiosos, tanto que não tinham uma ortodoxia clara. Ainda hoje, alguns grupos religiosos são mais movidos por interesses políticos do que pelas convicções bíblicas.

 

III. A questão do pluralismo religioso.

 

 1. Jesus e as religiões do seu tempo. Como podemos observar, Jesus viveu dentro de um contexto de pluralidade religiosa, com a existência de diversas teologias e concepções sobre Deus e espiritualidade. Embora respeitasse a crença de cada grupo e tivesse dialogado com muitos deles (Lc. 7.36), Ele não deixou de apontar os seus erros e de lhes falar a verdade. Jesus não se apresentou como mais uma opção religiosa entre tantas, mas como o próprio Filho de Deus (Jo 6.57), afirmando a sua exclusividade ao dizer: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6).

 

2. A exclusividade de Cristo hoje. Nos dias atuais, como discípulos de Jesus, devemos respeitar as demais confissões religiosas, sem perder o senso crítico e a coragem de dizer o que convém à sã doutrina (Tt 2.1). Precisamos estar preparados (1Pe 3.15) para confrontar toda religião que fuja dos princípios bíblicos, seja por legalismo, misticismo ou mundanismo, enfatizando a superioridade de Cristo, o autor e consumador da nossa fé (Hb 12.2), e o fundamento da verdadeira espiritualidade.

 

Vivemos hoje em um contexto de grande diversidade religiosa, no qual muitos escolhem suas religiões de forma descompromissada e baseados em simples preferência pessoal ou agenda política. Ainda assim, os princípios básicos dos ensinos do Mestre permanecem válidos, servindo-nos de orientação para a defesa da verdade e da ortodoxia bíblica, contra as religiões enganosas, heresias e falsas doutrinas.

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